segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Visões do Sul pode ter sido uma bomba em Portimão

Under The Bombs, de Philippe Aractingi, agradou às gentes de Portimão e venceu na votação do público do primeiro Visões do Sul. A próxima edição é possível. Ana Isabel Strindberg lançou o desafio da itinerância.

A primeira Mostra Internacional de Cinema de Portimão acabou no sábado com a promessa de uma segunda edição. O anúncio foi feito durante a sessão de encerramento, perante mais de uma centena de pessoas, antes da exibição de The Yacoubian Building, do egípcio Marwan Hamed, com Miguel Valverde a representar a associação Zero em Comportamento e José Gameiro em nome do Museu de Portimão, que dirige, e da autarquia local.

Ana Isabel Strindberg (na foto à direita), programadora do DocLisboa e do Centro Cultural da Malaposta, foi mais longe. Além de uma segunda edição, Strindberg, convidada para comentar Under The Bombs, desafiou ambas as entidades responsáveis pelo evento a criar uma programação itinerante. «Portugal merece ver estes filmes.» Preocupada com a centralização vigente, disse que «é preciso reinventar a distribuição» do cinema e propôs mesmo uma «plataforma intermunicipal» para o efeito.

Para o derradeiro dia das Visões do Sul estavam programadas três longas e uma curta-metragem. E foi desse leque que saiu o vencedor da votação do público – Under The Bombs, de Philippe Aractingi. A produção franco-libanesa é uma «ficção do real», como Ana Isabel Strindberg a catalogou, que mostra a angústia de uma mãe procurando o filho (parte ficcional) nos dias que se seguiram ao cessar-fogo decretado pela ONU na guerra no sul do Líbano, em 2006, entre o Hezbollah e o exército israelita (parte documental).

Under The Bombs, com uma média de 4,71 (numa escala de 1 a 5), relegou para o segundo lugar o documentário Voyage in G Major, do francês Georgi Lazarevski, que gozava da preferência público desde quarta-feira, quando foi exibido. Daí para baixo, na tabela dos cinco melhor votados, ficaram, por ordem, Offside, de Jafar Panahi (4,39), O Adeus à Brisa, de Possidónio Cachapa (4,12), e Bab Sebta, de Pedro Pinho e Frederico Lobo (4,07).

Pedro Pinho (na foto à esquerda) esteve, aliás, no Museu de Portimão para apresentar e debater Bab Sebta. O documentário, filmado entre Marrocos e a Mauritânia, mostra a realidade e a vontade migratória de algumas populações do norte africano. Da experiência, o realizador destacou que, por aquelas paragens, «quase toda a gente tem um discurso esclarecido, lúcido» – e comparou os pescadores no documentário com os de Portugal, sublinhando a necessidade do saber pela diversidade das condições de vida vistas pelos olhos dos primeiros.

«Bab Sebta», árabe, é a porta de Ceuta, que abre África à Europa. O projecto, partilhado com Frederico Lobo e com Luísa Homem, venceu a secção nacional do último DocLisboa e já foi exibido por diversas vezes em salas tanto portuguesas como francesas, seguindo agora para a Argentina e para o México. A narrativa, contou Pinho, foi sendo criada, diariamente, à medida que seguiam as filmagens. Uma preocupação central: «Não queríamos mostrar uns coitadinhos, miseráveis, de que todos nós teríamos pena.» O público aplaudiu. Como tinha dito Ana Isabel Strindberg mais cedo, «a programação destas Visões do Sul é de uma grande riqueza».


[Texto publicado em Rascunho.net]

Visões do Sul na blogosfera (III)

Outra referência:

1 — Local & Blogal. Visões do Sul: «Assisti a todos os filmes das sessões da tarde, à excepção das projecções de segunda e sexta, e vibrei intensamente com os testemunhos, quase diria manifestos, deste olhar sobre as sociedades da outra margem, a não-europeia deste mar comum.»

domingo, 9 de novembro de 2008

Votação Final do Público

Foi preciso chegar ao último dia da Mostra para encontrar o vencedora da votação do público:

1 — Under The Bombs, de Philippe Aractingi, 4,71
2 — Voyage in G Major, de Georgi Lazarevski, 4,43
3 — Offside, de Jafar Panahi, 4,39
4 — O Adeus à Brisa, de Possidónio Cachapa, 4,12
5 — Bab Sebta, de Pedro Pinho e Frederico Lobo, 4,07

sábado, 8 de novembro de 2008

Não basta querer ganhar, é preciso o empate

As mulheres também gostam de futebol. Mas, no Irão, não podem ir ao estádio. E querem. Joana Amaral Dias esteve ontem em Portimão e acredita que «o fanatismo do machismo ainda consegue ultrapassar o do futebol».

Lembremos isto: «o cinema deu um péssimo contributo para a emancipação da mulher», inúmeras vezes retratada como objecto, tanto sexual como decorativo. Convidada para comentar Offside, de Jafar Panahi, que expõe uma realidade específica das desigualdades de género no Irão – as adeptas de futebol estão proibidas de assistir aos jogos –, Joana Amaral Dias, feminista militante, não deixou a fuga eclipsar a norma.

Seria o alvo da laracha a indústria norte-americana? Não. A psicóloga e ex-deputada do BE à Assembleia da República afirmou mesmo que guarda algumas reservas no que diz respeito a cinema de autor. O problema, disse, é transversal. Mas do filme exibido ontem, no Museu de Portimão, ficou com boa impressão. Relevou o humor com que Panahi trata assunto tão delicado, não caindo em estereótipos, e o resultado, analisou, «não é nada maniqueísta», como tantas vezes acontece.

A selecção iraniana está a jogar com o Bahrain. Vale o apuramento para o Mundial de 2006. Um empate basta para a qualificação. As mulheres iranianas estão proibidas de assistir ao jogo no estádio. Mas, ainda assim, a paixão pela bola fala mais alto e algumas atrevem-se. Descobertas, o jogo passa a ser outro – o das mulheres, urbanas, informadas, contra os militares, rurais, acéfalos, que nem sabem a razão da interdição. Mas, mais uma vez, também o empate basta para a vitória. A igualdade é um empate.

Uma coisa é certa: «o fanatismo do machismo ainda consegue ultrapassar o fanatismo do futebol». O papel social que o regime político de Teerão dá à religião dá uma ajuda. Os soldados limitam-se a cumprir ordens. As mulheres, adeptas, arquitectam «diálogos quase socráticos», desarmando-lhes a argumentação. A acção do filme, repara Joana Amaral Dias, «é todo passado em espaços claustrofóbicos». Pergunta: «Não sendo suficiente o gosto comum pelo futebol, será o nacionalismo a ponte necessária para juntar duas partes desavindas?» Em Offside pode parecer que sim; Joana Amaral Dias espera não, que outros valores desempenham essa função.

Quem não cumpre ordens é o realizador Jafar Panahi, que, sendo proibido de filmar este argumento no Irão, o fez à mesma, escondido, fingindo que se tratava de outro filme. «É a mesma estratégia das raparigas», observou Joana Amaral Dias – «a camuflagem para passar entre os pingos da chuva».


[Texto publicado em Rascunho.net]

Fotogaleria, por Filipe Palma

Joana Amaral Dias, psicóloga

Ana Isabel Strindberg, programadora

Pedro Pinho, realizador

Votação do Público

A preferência dos votantes, ao quarto dia:

1 — Voyage in G Major, de Georgi Lazarevski, 4,43
2 — Offside, de Jafar Panahi, 4,39
3 — O Adeus à Brisa, de Possidónio Cachapa, 4,12
4 — Jellyfish, de Etgar Keret e Shira Geffen, 3,80
5 — My Marlon and Brando, de Hüseyin Karabey, 3,78
6 — WWW – What a Wonderful World, de Faouzi Bensaidi, 3,68
7 — As The Sun Begins To Set, de Julie Moggan, 3,37
8 — Yo, de Rafa Cortés, 3,33
9 — Taxi Wala, de Lola Frederich, 2,93

A escala, relembro, é de 1 a 5, sendo que o valor mais elevado corresponde à pontuação máxima.

«Agosto Azul», por Pedro Mexia

Ainda a propósito da participação por escrito de Pedro Mexia nas Visões do Sul, recordamos hoje um texto que o subdirector da Cinemateca publicou, em Agosto último, no Público, visando a obra de Manuel Teixeira Gomes. Este mesmo texto, citado por Miguel Valverde, serviu à conversa com José Júdice, que esteve no Museu de Portimão para comentar My Marlon and Brando, de Hüseyin Karabey. A ler:
Agosto acaba amanhã, mas Agosto Azul continua.

Eis uma imagem das suas ninfas espreitadas por faunos: "Despedem-se com efeito, entre risos que mal ouvimos.
Ambas são trigueiras, conquanto mostrem nos braços uma alvura que os rostos não faziam suspeitar.
Diferem consideravelmente na idade. A uma delas alteia-se a camisa no peito com exuberâncias de amojo e na outra cai em pregas pelo grácil corpinho abaixo. Riem, riem muito, a porfiar qual delas há-de primeiro despir a camisa. É a mais nova que se decide: mostra no torneado tronco dois meios limões agudos onde a outra põe logo os lábios; depois esta abre também a camisa, soltando os túmidos seios maduros que a outra apalpa.
Recrudescem os risos... / Mas esta cena dura apenas momentos porque elas logo enfiam as saias brancas pela cabeça, perscrutando medrosas com a vista, em redor, e, erguendo-se, desaparecem por detrás das rochas". Quando há uns anos descobri a 3ª edição de Agosto Azul (Portugália, 1958), fiquei abismado. Não imaginava que em 1904 alguém contasse assim a sensualidade contagiante do oitavo e mais terrível dos meses.

Talvez ainda se saiba vagamente que Manuel Teixeira-Gomes foi Presidente da República (1923-1925). Mas já ninguém o lê. É um destino irónico: ele descreveu a sua experiência política como uma "servidão abominável", ao passo que os seus escritos são originais e vívidos. Combatendo o esquecimento, a Imprensa Nacional reedita agora as obras completas deste sensualista impenitente. O volume já publicado inclui Agosto Azul e também Inventário de Junho (1899) e Cartas sem Moral Nenhuma (1903). São divagações, monólogos epistolares, apontamentos memorialísticos, notas de viagem, esboços de contos. Agosto Azul é a odisseia de um viajante culto, de um hedonista peripatético, e tem as características luxuosas do decadentismo: uma pujante capacidade visual, sínteses inesperadas, metáforas e sinestesias e analogias. Em Teixeira-Gomes a intenção é tão dionisíaca como a linguagem, e ambas exaltam a Vida (com maiúscula): "a Vida entumesce e rola impetuosa, comovente, caudalosa, numa torrente inflamada de expressões coruscantes onde a língua eternamente se retempera". Há páginas sobre Wagner ou Weimar, mas o texto tem outra intensidade quando evoca uma iniciação sexual ou a "nudez espumante" de uma botticelliana. É uma exuberância estival quase adolescente que Urbano Tavares Rodrigues explicou assim: "O próprio «porquê» da obra literária, anterior ao propósito de comunicação, ao objectivo ideológico, pode bem ser que radique nas profundezas da ordem do desejo. A sua emergência está ligada à constituição do «eu» e ao seu confronto com o tempo, ao destino das pulsões, à satisfação das necessidades e à sua sublimação" (M. Teixeira-Gomes. O Discurso do Desejo, Edições 70, 1982).

Para Teixeira-Gomes, a beleza é uma categoria eterna. E grega.

Essa Grécia "que morreu sem ter envelhecido" e que nos deixou uma insuperável "dignidade física e espiritual". E onde estava a Grécia em 1904? Ele responde: "(...) julgo que a realização perfeita da paisagem marítima grega, tal como os poetas da antiguidade a conceberam, está no troço da costa do Algarve, (...) desde a barra de Portimão até ao fecho da baía de Lagos". Aí encontramos "praias de areia fina e doirada; rochas de pitoresco recorte emergindo do mar cerúleo; árvores floridas, como a amendoeira, debruçando-se sobre as águas tranquilas de curtas enseadas". O exultante paganismo de Teixeira Gomes é sexualmente volátil, como se vê numa ousada descrição dos marinheiros da esquadra inglesa ancorada em Lagos, que nadam em cacho e em convite: "Jogam-se à água, muitos com saltos de acrobatas, e uma chusma deles cerca-nos o bote lançando-lhe as mãos à borda como se o quisessem tomar de assalto.
/ É uma cena rara. /A um marujo ruivo, com o torneado arcaboiço de pião, que assomara ao bote e ficou debruçado, a meio corpo, damos-lhe vinho pela borracha.
Bebe sôfrego e sem jeito, com dois fios de púrpura a fugirem-lhe das comissuras dos lábios até encherem as conchas em que se lhe ajeita a carne no vão das clavículas". É o D.H. Lawrence português, com todas as virtudes e defeitos do epíteto. E eu não sabia que nós tínhamos um Lawrence.

Visões do Sul na blogosfera (II)

Mais três referências:

1 — João Bárbara. Visões do Sul em Portimão;
2 — O café dos loucos. Visões do Sul;
3 — SadeNAMarquise. Visões do Sul: «Agradável e interessante surpresa o filme de Jafar Panahi e o comentário e visão da convidada Joana Amaral Dias.»

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

«Quem sou eu?», por Pedro Mexia

Como prometido, cá fica o texto de Pedro Mexia, a propósito de Yo, de Rafa Cortés:
O grande engenho deste filme está em transformar um acontecimento comum (uma pessoa que tem o mesmo nome de outra pessoa) numa viagem ao Inferno. Existem muitos Hans, assim como há muitos Joões (e Pedros), e o nome é de algum modo a nossa identidade; mas ao mesmo tempo um Hans não tem nada a ver com outro Hans. Rafa Cortés e o seu actor e argumentista Alex Brendemühl criam uma situação quase surreal em que um alemão chamado Hans que veio substituir outro alemão chamado Hans tem (por assim dizer) que pagar pelos pecados do seu nome. Durante o filme não vamos saber quase nada sobre o «Hans original», apenas que ele era ou fez ou representou alguma coisa que aquela comunidade em Maiorca ainda recorda, e que o «novo Hans» é suspeito logo por causa do seu nome. O pecado original é o pecado do nome, e isso faz com o novo «Hans» seja obrigado a questionar a sua identidade. O estilo lacónico, intenso e interiorizado do filme ajuda a tentar perceber onde está afinal o Inferno: em nós, nos outros ou nessa ficção chamada «identidade».

O mundo é bonito e pode estar escondido num festival de cinema

O cinema português tem pouco público e não consegue crescer, afirmar-se. A pescada leva o rabo na boca. E talvez o problema esteja, como pensa Emídio Freire, em quem prepara o prato. Sempre os mesmos. É preciso diversificar.

Emídio Freire, director do Contramaré – Cineclube de Portimão, sublinhou ontem, no Museu de Portimão, a importância dos festivais e das mostras na difusão de cinema independente, que passa, a mais das vezes e na melhor das hipóteses, directamente para o circuito de DVD. O afastamento desses filmes das salas de cinema é uma ressonância natural, defende, do desinteresse do público: «As pessoas já não perdem o seu tempo a ver uma coisa completamente nova.»

Baixar os braços não é opção. E a conversa sangrava da exibição da produção franco-marroquina WWW – What a Wonderful World, de Faouzi Bensaidi, na Visões do Sul, onde estava perto de uma centena de pessoas. Democraticamente, o público atirou o filme para o quinto lugar (em seis) das suas preferências, com uma média de 3,68, numa escala de um a cinco. Mas talvez seja disto que fala Freire: ter a possibilidade de ver cinema sem a certeza de nada, para descobrir. E o público descobriu que gosta mais de outras propostas que têm passado pela mostra de cinema.

Freire, pelo contrário, gostou e ficou intrigado. Quer ver a primeira longa-metragem de Bensaidi. Esta é a segunda. Em WWW, o realizador fez «um esforço por não fazer o que se espera dele». Isto, no âmbito do cinema marroquino. Mesmo do novo. «Nós é que não nos apercebemos, mas há muitos filmes a serem feitos em Marrocos.» A confusão do país que temos, europeus, no imaginário «aparece, mas distanciada». Houve uma filtragem da realidade e a «limpeza» feita a Casablanca tornou-a «mais cinematográfica». O lado humano e social é menos explorado, importa a ficção.

WWW foi apresentado como um Pulp Fiction marroquino, mas as referências da indústria indiana – Bollywood enche as salas de cinema em Marrocos – são também evidentes. O filme está «cheio de referências e de pormenores engraçados» (não só de leste, mas de oeste também, com uma alusão simbólica ao 11 de Setembro) e comporta alguns cruzamentos inesperados – senão veja-se a banda sonora, onde se encontram a «música sofisticada» das melodias arabescas com a de Jay-Jay Johanson. A narrativa é, considera Freire, «uma manta de retalhos, que acaba por fazer sentido no final».

Sobre a produção de cinema em Portugal, Freire, que está ligado, como programador, ao Imago – Festival Internacional de Cinema Jovem do Fundão, é da opinião que o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) não gere da melhor forma a atribuição de subsídios. E em Portugal, concorda, só se pode fazer cinema com subsídios. (WWW teve o apoio da União Europeia, através do programa Media.) E vê a estagnação do mercado do cinema português como consequência da aprovação reincidente de projectos a um grupo reduzido de realizadores.

É possível contornar o problema, sim, no entanto, «é muito difícil encontrar um grupo de pessoas que trabalhe para um objectivo comum», assegurou o cinéfilo. E acabou recordando o óbvio, não vão as gentes esquecê-lo: «Para aparecer um grande talento em Portugal é preciso muitos tentarem. É preciso diversificar. E em Portugal isso não está a acontecer.»

[Texto publicado em Rascunho.net]

Votação do Público

A preferência dos votantes, ao terceiro dia:

1 — Voyage in G Major, de Georgi Lazarevski, 4,43
2 — O Adeus à Brisa, de Possidónio Cachapa, 4,12
3 — Jellyfish, de Etgar Keret e Shira Geffen, 3,80
4 — My Marlon and Brando, de Hüseyin Karabey, 3,78
5 — WWW – What a Wonderful World, de Faouzi Bensaidi, 3,68
6 — As The Sun Begins To Set, de Julie Moggan, 3,37

A escala, lembro, é de 1 a 5, sendo que o valor mais elevado corresponde à pontuação máxima.

Convidados

Pedro Mexia, subdirector da Cinemateca Portuguesa, não estará presente, como previsto, no Museu de Portimão, para comentar Yo, de Rafa Cortés. Como compensação, Mexia, escritor, preparou um pequeno texto que será lido no início da sessão, às 19h00, por Miguel Valverde. Após essa primeira leitura pública, aqui o publicitaremos.

Quanto aos demais convidados, relembrar a presença de Joana Amaral Dias, psicóloga e ex-deputado do BE à Assembleia da República, hoje, às 21h30, para comentar Offside, de Jafar Panahi, que é precedido da curta (15') Taxi Wala, de Lola Frederich. Amanhã, estarão no Museu de Portimão Ana Isabel Strindberg, programadora, por L'armée des fourmis, de Wissam Charaf, e Sous les bombes, de Philippe Aractingi, às 16h00; e Pedro Pinho, que apresentará, às 19h00, Bab Sebta, filme que co-realizou com Frederico Lobo.

Fotogaleria, por Jorge Godinho (III)

José Júdice, jornalista, e Emídio Freire, director do Contramaré – Cineclube de Portimão e Associação Cultural de Portimão, estiveram ontem à conversa com Miguel Valverde, no Museu de Portimão, partindo, respectivamente, de My Marlon and Brando, de Hüseyin Karabey, e WWW – What a Wonderful World, de Faouzi Bensaidi.

José Júdice e Miguel Valverde

José Júdice

Auditório, após a exibição de My Marlon and Brando, de Hüseyin Karabey

Hall do auditório, antes da exibição de WWW – What a Wonderful World, de Faouzi Bensaidi

Miguel Valverde e Emídio Freire

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

E se alguém que vai homenagear Amália disser, entre risos, que quer minar o fado?


Nuno Gonçalves (à esquerda na foto), que conhecemos pelo trabalho com The Gift, esteve no Museu de Portimão para comentar o primeiro filme do israelita Etgar Keret. Acabou a falar do projecto que está a montar para os 10 anos da morte de Amália.

Nuno Gonçalves foi escolhido pela Valentim de Carvalho para liderar o projecto Hoje, que servirá para assinalar a primeira década sobre o desaparecimento de Amália Rodrigues. O disco, a editar em 2009, deverá fugir aos temas mais revisitados da fadista. Paulo Praça, Fernando Ribeiro e Sónia Tavares, camarada de Gonçalves nos Gift, são as vozes já confirmadas, podendo acrescentar-se algum nome internacional para cantar o fado.

O músico não é apreciador do estilo – cinzento, saudoso, pesado, como diz. «Não gosto muito de fado – simboliza o que era a RTP1 e a RTP2 nos anos 80: era bom para a altura, mas era pobre.» Quando Amália faleceu, em 1999, Gonçalves pensou que morria também o fado. Depois, viu surgir uma nova geração de fadistas que, atira, de novo têm apenas «um contrabaixo em vez do baixo». E tem pena que o produto continue a ser muito exportado, acreditando que Portugal tem mais para mostrar.

Mas uma coisa é o fado, outra é a Amália. «A Amália era realmente uma grande artista, com grande capacidade de adaptação. As canções que a Amália cantava são mesmo dela, já não são fados antigos. Era como o Frank Sinatra.» Quando mais à frente na conversa, Gonçalves fala de um dos motores da sua escrita, a angústia – «A impotência de chegar aonde quero chegar, de estar com quem quero estar» –, lembramos de imediato António Variações, que tinha Amália na voz, e que, nos tais anos 80, revolucionou a criatividade portuguesa.

Nuno Gonçalves esteve ontem no Museu de Portimão para comentar Jellyfish, o filme-mosaico de Etgar Keret e Shira Geffen, mas acabou por divergir e falar sobre os seus próprios processos criativos, quer com este novo projecto quer com The Gift. O filme de Keret, escritor israelita, versa sobre o choque de gerações entre os judeus que viveram o Holocausto e os seus filhos. «Sou muito ligado às memórias da infância. Gosto de fazer um disco quando tenho alguma coisa para dizer, mas vou buscá-la lá atrás.»

O músico acredita que, de alguma forma, pertenceremos sempre a uma segunda geração que pretende demarcar-se da anterior e que não a compreende plenamente. Cisão que não sente com Keret, 10 anos mais velho, explicando que se trata mais de experiências e visões comuns que de mera contabilidade. «Não sinto a generation gap com o realizador, mas sinto-a com um adolescente de 16 anos que nunca teve um disco na mão sem o piratear», disse.

Com Lost in Translation, de Sofia Coppola, Gonçalves saiu da sala de cinema, lembra, com vontade de compor. Tanto que inclui uma pequena fala num dos temas do disco AM FM (2004). Com Film, álbum de 2001, os Gift compuseram para um filme imaginário, ainda que Gonçalves não sinta que fosse possível transformá-lo numa banda sonora. «Os ambientes são muito diversos de canção para canção», argumentou.

Na realização, Nuno Gonçalves prefere Woody Allen, Gus Van Sant e David Lynch – que, «apesar de ser sempre muito macabro e bizarro, é sempre muito bonito». Mas, à aparente tendência para o cinema independente, Gonçalves contrapõe a dependência ao homem que reinventou a indústria: «Não consigo deixar de ver os filmes do Spielberg, que continuou sempre a plantar sementes na magia do cinema».

Concretamente sobre Jellyfish, Nuno Gonçalves acabou por afirmar que, «para primeira obra, está muito interessante». Perguntaram-lhe da música, claro. E a análise passou por dizer que, a par do tema principal, uma versão de La vie en rose, originalmente na voz de Édith Piaf, «os xilofones e o piano aguentam muito bem o filme», não se intrometendo na história.

[Texto publicado em Rascunho.net]

Votação do Público

Ao segundo dia, a votação do público coloca os filmes por esta ordem de preferência:

1 — Voyage in G Major, de Georgi Lazarevski, 4,42
2 — O Adeus à Brisa, de Possidónio Cachapa, 4,10
3 — Jellyfish, de Etgar Keret e Shira Geffen, 3,79
4 — As The Sun Begins To Set, de Julie Moggan, 3,37

A escala é de 1 a 5, sendo que o valor mais elevado corresponde à pontuação máxima.

Fotogaleria, por Jorge Godinho (II)

Conversa com a actriz Anabela Teixeira, após a exibição dos documentários Voyage in G Major, de Georgi Lazarevski, e As The Sun Begins To Set, de Julie Moggan, ontem à noite, no auditório do Museu de Portimão, conduzida por Miguel Valverde.





Visões do Sul na blogosfera

Quatro referências, para já:
1 — Antestreia. Serviço Público — Visões do Sul — 1ª Mostra Internacional de Cinema de Portimão;
2 — Cinerama. Visões do Sul;
3 — sound + vision. Novo festival de cinema em Portimão;
4 — Tralhas Grátis. Convites Festival Visões do Sul.
Dados recolhidos através do Technorati. Deixo o Húmus fora destas contas.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

«Sou uma pessoa maior porque leio»


Possidónio Cachapa esteve ontem no Museu de Portimão para apresentar O Adeus à Brisa, que de documentário sobre Urbano Tavares Rodrigues quase passava, pela debilidade do escritor, a elegia. É um testamento.


Mais do que um documentário sobre Urbano Tavares Rodrigues, Possidónio Cachapa apresentou ontem, na abertura da primeira Mostra Internacional de Cinema de Portimão, um filme para o autor de Uma Pedra no Charco. O realizador considera que O Adeus à Brisa tem um carácter testamental, contendo tudo o que Tavares Rodrigues queria deixar, em peça única e audiovisual, à posteridade.

O documentário retrata a vida intervencionista do escritor Urbano Tavares Rodrigues, demorando-se na sua veia humanista, mais do que nos 60 anos de vida literária e académica ou na vida pessoal. A história do escritor confunde-se com a do país, na luta pela liberdade no Estado Novo, a censura, a prisão, na revolução de Abril, dia em que analisa o João de Melo, também escritor, Urbano era a pessoa mais feliz de toda aquela multidão a ocupar as ruas de Lisboa, e respectivas consequências.

Urbano, 85 anos, esteve muito debilitado durante os últimos meses e o realizador chegou mesmo a pensar que o escritor não veria o filme terminado. Mas viu. Um dia depois da estreia no DocLisboa, onde esteve em competição. Possidónio Cachapa agarrou numa tela de boa dimensão e levou-a até casa de Urbano, em Lisboa, onde se fez uma sessão privada. Urbano, que, como recorda João de Melo durante o filme, é dono de uma «natural insatisfação», agradeceu ao amigo, Possidónio, contou este, «sem palavras».

A escolha do título, O Adeus à Brisa, nome de um romance de Urbano Tavares Rodrigues, publicado em 1998, não aconteceu ao acaso. Por brisa (de Verão, suave, quente), Cachapa entende o próprio Urbano. E o adeus tem que ver com a despedida que se previa para breve. O filme acaba mesmo com o filho de Tavares Rodrigues, de dois anos, simbolizando o fim e o início de um ciclo.

Ana Maria, esposa de Tavares Rodrigues, médica, apenas acedeu à ideia de fazer um documentário pela amizade que une o marido ao realizador – que é mais conhecido pelo seu trabalho como escritor. «Quando se é escritor, abrem-se portas para pessoas muito, muito boas. Calhou-me este pequeno euromilhões que é conhecer escritores muito, muito interessantes», observou Cachapa. Tinha duas horas por dia para entrevistas. Não mais. Como resultado, a matéria bruta não foi muita.

Apesar de afiançar que a amizade não turva a objectividade do filme, o realizador contou, no entanto, que fez uma selecção criteriosa das histórias que trouxe a público: «Protegi-o muito na montagem.» Questionado sobre a fragilidade e a simplicidade aparentes de Urbano, Possidónio Cachapa foi taxativo: «O Urbano não é simples. Quanto mais uma pessoa tem para dar, mais simples se torna aos olhos das outras pessoas. O Urbano sabe o que é essencial.»

«A mim consola-me ter feito este documentário, quanto mais não seja para relembrar escritores como o Urbano e Manuel Teixeira Gomes.» Possidónio Cachapa acredita que «estamos numa altura muito morna», e que, num tempo em que as livrarias estão à pinha de mais e mais livros gritando, é fundamental relembrar os verdadeiros escritores, os «que nos fazem crescer como pessoas». «Sou uma pessoa maior porque leio», diz, citando o próprio Urbano.

Manuel Teixeira Gomes, escritor, político e Presidente da República de 1923 a 1925, era amigo do pai de Urbano, que sobre ele começou a escrever ainda na década de 50, desenvolvendo a partir da sua obra, em 1984, uma tese de doutoramento. Considerava-o «um dos maiores ironistas da literatura portuguesa», como diz durante o filme, cujos direitos foram já adquiridos pela RTP, embora o realizador espere conseguir levá-lo ainda mais vezes à tela.

Possidónio Cachapa, recorda, começou a ler Urbano Tavares Rodrigues aos 12 anos. É também escritor, já com obra traduzida e publicada em vários países. Apesar de O Adeus à Brisa ser a sua estreia na cadeira de realizador, são diversos os seus trabalhos para cinema e mesmo para teatro. Espera um dia, ironizou ontem, dar nome a uma rua – «quando morremos arranjam-nos sempre um beco qualquer. Há tantas ruas a precisarem de nome…» A ideia de «impor a justiça ao mundo», que partilha com Urbano, passa também por aí: «Temos escritores muito, muito bons. É tempo de começar a homenageá-los em vida.»

[Texto publicado em Rascunho.net]

Fotogaleria, por Jorge Godinho

Partindo da esquerda, José Gameiro, director do Museu de Portimão; Isabel Guerreiro, vereadora da Cultura de Portimão; Miguel Valverde, Zero em Comportamento

Miguel Valverde e Possidónio Cachapa

Possidónio Cachapa e Miguel Valverde

Possidónio Cachapa, realizador e escritor

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Possidónio Cachapa filmando Urbano Tavares Rodrigues

Miguel e Urbano, miúdos pequenos, irmãos, leram os mesmos livros, sonharam os mesmos sonhos, travaram combates em cima de burros — «brincadeiras brutais», lembra o primeiro. Dessa meninice em que «não tinha noção do perigo», Urbano respondia a «um heroísmo sem causa». Mas Urbano, diz o próprio, voltou-se cedo para as ideias socialistas, para a luta anti-fascista, arranjando assim contracena para a sua «valentia quixotesca». «Começo a descobrir — não se descobre logo —, aí pelos sete, oito anos, que à minha volta há injustiça social», conta.

Já menos miúdo, estudante universitário, conhece em Paris Albert Camus. Regressa a Portugal e contrapõe a realidade francesa com a do Estado Novo. Aquando da candidatura presidencial do General Humberto Delgado, 1958, era jornalista, redactor no Diário de Lisboa, o que, recorda da sala de sua casa, 2008, «era uma posição óptima para a acompanhar e influenciar.» «Nos textos que escrevia, havia uma permanente simpatia pelo Delgado.» Era tempo de intervenção, não de imparcialidades.

«O Urbano é um humanista», explica o irmão Miguel. «Chega ao Partido Comunista através do coração e não pela ideologia.» É dessa semente que nasce o escritor que ainda hoje conhecemos, o autor de Uma Pedra no Charco naquele mesmo ano de 1958. O escritor que se mantém convicto: «Vai haver um novo mundo com uma procura do socialismo». Sobretudo, o escritor que sente «a dor dos outros», que acredita que «uma coisa bela tem de ser profunda e inteligente». E que sabe que «uma revolução é feita por heróis, por entusiastas, mas também por oportunistas e por burros. Está lá tudo.»

De Manuel Teixeira Gomes, escritor, Presidente da República entre 1923 e 1925, de quem o pai foi amigo e sobre o qual versou a sua tese de doutoramento em 1984, Urbano assegura que se trata de «um dos maiores ironistas da literatura portuguesa». Lembra-o com «um extraordinário sentido de humor, acutilante e crítico, presente na visão que nos dá da burguesia algarvia em todos os seus livros».

São estas, entre outras, as declarações que se podem ver e ouvir, mais logo, 21h30, pela exibição do documentário O Adeus à Brisa, de Possidónio Cachapa, no Museu de Portimão. De lembrar o que, em Outubro, Urbano, 85 anos, dizia ao A23 sobre novas leituras: «No que diz respeito a uma geração mais nova de escritores, gosto muito de ler o José Luis Peixoto e o Possidónio Cachapa. Vejo surgir três escritores muito interessantes que são a Dulce Maria Cardoso, a Maria Antonieta Preto e a Patrícia Reis, com talentos diferentes. O Gonçalo M. Tavares, embora não seja da minha família, acho que é um escritor com futuro.»

Arranque

Este blogue articula-se, a partir de hoje, com o Rascunho e o Húmus, blogue conexo do portal cultural, na cobertura do Visões do Sul. Antevisão e crítica dos filmes, pequenas reportagens, citações, acompanhamento dos debates/ conferências (estamos a tentar o directo via Twitter — falha-nos ainda a wireless) e tudo o mais que entendermos relevante. A opinião pública, claro, interessa-nos. Podem sugerir-nos novos ângulos, pareceres diversos, sugestões, etc., para hugotorres@rascunho.net. Sendo pertinente, chamá-las-emos a estas páginas (quer aqui, quer ali).

A mostra arranca esta noite, 21h30, com O Adeus à Brisa, o documentário de Possidónio Cachapa sobre Urbano Tavares Rodrigues, que, «num discurso comovente, evoca a luta pela liberdade e a sua crença nas revoluções e na supremacia da Beleza». O realizador estará presente no Museu de Portimão para apresentar o filme, primeiro, e para o debater, no final.

Possidónio Cachapa, lembre-se, escreveu no seu blogue, Prazer Inculto, em Setembro, por altura da conclusão da montagem de imagem, que «numa época em que parece ter desaparecido do mapa a figura do Outro, é bom concluir um filme sobre alguém que no meio de todas as tormentas defendeu sempre a ideia de um mundo em que o "homem é irmão do homem".»