sábado, 8 de novembro de 2008

Não basta querer ganhar, é preciso o empate

As mulheres também gostam de futebol. Mas, no Irão, não podem ir ao estádio. E querem. Joana Amaral Dias esteve ontem em Portimão e acredita que «o fanatismo do machismo ainda consegue ultrapassar o do futebol».

Lembremos isto: «o cinema deu um péssimo contributo para a emancipação da mulher», inúmeras vezes retratada como objecto, tanto sexual como decorativo. Convidada para comentar Offside, de Jafar Panahi, que expõe uma realidade específica das desigualdades de género no Irão – as adeptas de futebol estão proibidas de assistir aos jogos –, Joana Amaral Dias, feminista militante, não deixou a fuga eclipsar a norma.

Seria o alvo da laracha a indústria norte-americana? Não. A psicóloga e ex-deputada do BE à Assembleia da República afirmou mesmo que guarda algumas reservas no que diz respeito a cinema de autor. O problema, disse, é transversal. Mas do filme exibido ontem, no Museu de Portimão, ficou com boa impressão. Relevou o humor com que Panahi trata assunto tão delicado, não caindo em estereótipos, e o resultado, analisou, «não é nada maniqueísta», como tantas vezes acontece.

A selecção iraniana está a jogar com o Bahrain. Vale o apuramento para o Mundial de 2006. Um empate basta para a qualificação. As mulheres iranianas estão proibidas de assistir ao jogo no estádio. Mas, ainda assim, a paixão pela bola fala mais alto e algumas atrevem-se. Descobertas, o jogo passa a ser outro – o das mulheres, urbanas, informadas, contra os militares, rurais, acéfalos, que nem sabem a razão da interdição. Mas, mais uma vez, também o empate basta para a vitória. A igualdade é um empate.

Uma coisa é certa: «o fanatismo do machismo ainda consegue ultrapassar o fanatismo do futebol». O papel social que o regime político de Teerão dá à religião dá uma ajuda. Os soldados limitam-se a cumprir ordens. As mulheres, adeptas, arquitectam «diálogos quase socráticos», desarmando-lhes a argumentação. A acção do filme, repara Joana Amaral Dias, «é todo passado em espaços claustrofóbicos». Pergunta: «Não sendo suficiente o gosto comum pelo futebol, será o nacionalismo a ponte necessária para juntar duas partes desavindas?» Em Offside pode parecer que sim; Joana Amaral Dias espera não, que outros valores desempenham essa função.

Quem não cumpre ordens é o realizador Jafar Panahi, que, sendo proibido de filmar este argumento no Irão, o fez à mesma, escondido, fingindo que se tratava de outro filme. «É a mesma estratégia das raparigas», observou Joana Amaral Dias – «a camuflagem para passar entre os pingos da chuva».


[Texto publicado em Rascunho.net]

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