Miguel e Urbano, miúdos pequenos, irmãos, leram os mesmos livros, sonharam os mesmos sonhos, travaram combates em cima de burros — «brincadeiras brutais», lembra o primeiro. Dessa meninice em que «não tinha noção do perigo», Urbano respondia a «um heroísmo sem causa». Mas Urbano, diz o próprio, voltou-se cedo para as ideias socialistas, para a luta anti-fascista, arranjando assim contracena para a sua «valentia quixotesca». «Começo a descobrir — não se descobre logo —, aí pelos sete, oito anos, que à minha volta há injustiça social», conta.
Já menos miúdo, estudante universitário, conhece em Paris Albert Camus. Regressa a Portugal e contrapõe a realidade francesa com a do Estado Novo. Aquando da candidatura presidencial do General Humberto Delgado, 1958, era jornalista, redactor no Diário de Lisboa, o que, recorda da sala de sua casa, 2008, «era uma posição óptima para a acompanhar e influenciar.» «Nos textos que escrevia, havia uma permanente simpatia pelo Delgado.» Era tempo de intervenção, não de imparcialidades.
«O Urbano é um humanista», explica o irmão Miguel. «Chega ao Partido Comunista através do coração e não pela ideologia.» É dessa semente que nasce o escritor que ainda hoje conhecemos, o autor de Uma Pedra no Charco naquele mesmo ano de 1958. O escritor que se mantém convicto: «Vai haver um novo mundo com uma procura do socialismo». Sobretudo, o escritor que sente «a dor dos outros», que acredita que «uma coisa bela tem de ser profunda e inteligente». E que sabe que «uma revolução é feita por heróis, por entusiastas, mas também por oportunistas e por burros. Está lá tudo.»
De Manuel Teixeira Gomes, escritor, Presidente da República entre 1923 e 1925, de quem o pai foi amigo e sobre o qual versou a sua tese de doutoramento em 1984, Urbano assegura que se trata de «um dos maiores ironistas da literatura portuguesa». Lembra-o com «um extraordinário sentido de humor, acutilante e crítico, presente na visão que nos dá da burguesia algarvia em todos os seus livros».
São estas, entre outras, as declarações que se podem ver e ouvir, mais logo, 21h30, pela exibição do documentário O Adeus à Brisa, de Possidónio Cachapa, no Museu de Portimão. De lembrar o que, em Outubro, Urbano, 85 anos, dizia ao A23 sobre novas leituras: «No que diz respeito a uma geração mais nova de escritores, gosto muito de ler o José Luis Peixoto e o Possidónio Cachapa. Vejo surgir três escritores muito interessantes que são a Dulce Maria Cardoso, a Maria Antonieta Preto e a Patrícia Reis, com talentos diferentes. O Gonçalo M. Tavares, embora não seja da minha família, acho que é um escritor com futuro.»
terça-feira, 4 de novembro de 2008
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