Emídio Freire, director do Contramaré – Cineclube de Portimão, sublinhou ontem, no Museu de Portimão, a importância dos festivais e das mostras na difusão de cinema independente, que passa, a mais das vezes e na melhor das hipóteses, directamente para o circuito de DVD. O afastamento desses filmes das salas de cinema é uma ressonância natural, defende, do desinteresse do público: «As pessoas já não perdem o seu tempo a ver uma coisa completamente nova.»
Baixar os braços não é opção. E a conversa sangrava da exibição da produção franco-marroquina WWW – What a Wonderful World, de Faouzi Bensaidi, na Visões do Sul, onde estava perto de uma centena de pessoas. Democraticamente, o público atirou o filme para o quinto lugar (em seis) das suas preferências, com uma média de 3,68, numa escala de um a cinco. Mas talvez seja disto que fala Freire: ter a possibilidade de ver cinema sem a certeza de nada, para descobrir. E o público descobriu que gosta mais de outras propostas que têm passado pela mostra de cinema.
Freire, pelo contrário, gostou e ficou intrigado. Quer ver a primeira longa-metragem de Bensaidi. Esta é a segunda. Em WWW, o realizador fez «um esforço por não fazer o que se espera dele». Isto, no âmbito do cinema marroquino. Mesmo do novo. «Nós é que não nos apercebemos, mas há muitos filmes a serem feitos em Marrocos.» A confusão do país que temos, europeus, no imaginário «aparece, mas distanciada». Houve uma filtragem da realidade e a «limpeza» feita a Casablanca tornou-a «mais cinematográfica». O lado humano e social é menos explorado, importa a ficção.
WWW foi apresentado como um Pulp Fiction marroquino, mas as referências da indústria indiana – Bollywood enche as salas de cinema em Marrocos – são também evidentes. O filme está «cheio de referências e de pormenores engraçados» (não só de leste, mas de oeste também, com uma alusão simbólica ao 11 de Setembro) e comporta alguns cruzamentos inesperados – senão veja-se a banda sonora, onde se encontram a «música sofisticada» das melodias arabescas com a de Jay-Jay Johanson. A narrativa é, considera Freire, «uma manta de retalhos, que acaba por fazer sentido no final».
Sobre a produção de cinema em Portugal, Freire, que está ligado, como programador, ao Imago – Festival Internacional de Cinema Jovem do Fundão, é da opinião que o Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA) não gere da melhor forma a atribuição de subsídios. E em Portugal, concorda, só se pode fazer cinema com subsídios. (WWW teve o apoio da União Europeia, através do programa Media.) E vê a estagnação do mercado do cinema português como consequência da aprovação reincidente de projectos a um grupo reduzido de realizadores.
É possível contornar o problema, sim, no entanto, «é muito difícil encontrar um grupo de pessoas que trabalhe para um objectivo comum», assegurou o cinéfilo. E acabou recordando o óbvio, não vão as gentes esquecê-lo: «Para aparecer um grande talento em Portugal é preciso muitos tentarem. É preciso diversificar. E em Portugal isso não está a acontecer.»
[Texto publicado em Rascunho.net]
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