Nuno Gonçalves foi escolhido pela Valentim de Carvalho para liderar o projecto Hoje, que servirá para assinalar a primeira década sobre o desaparecimento de Amália Rodrigues. O disco, a editar em 2009, deverá fugir aos temas mais revisitados da fadista. Paulo Praça, Fernando Ribeiro e Sónia Tavares, camarada de Gonçalves nos Gift, são as vozes já confirmadas, podendo acrescentar-se algum nome internacional para cantar o fado.
O músico não é apreciador do estilo – cinzento, saudoso, pesado, como diz. «Não gosto muito de fado – simboliza o que era a RTP1 e a RTP2 nos anos 80: era bom para a altura, mas era pobre.» Quando Amália faleceu, em 1999, Gonçalves pensou que morria também o fado. Depois, viu surgir uma nova geração de fadistas que, atira, de novo têm apenas «um contrabaixo em vez do baixo». E tem pena que o produto continue a ser muito exportado, acreditando que Portugal tem mais para mostrar.
Mas uma coisa é o fado, outra é a Amália. «A Amália era realmente uma grande artista, com grande capacidade de adaptação. As canções que a Amália cantava são mesmo dela, já não são fados antigos. Era como o Frank Sinatra.» Quando mais à frente na conversa, Gonçalves fala de um dos motores da sua escrita, a angústia – «A impotência de chegar aonde quero chegar, de estar com quem quero estar» –, lembramos de imediato António Variações, que tinha Amália na voz, e que, nos tais anos 80, revolucionou a criatividade portuguesa.
Nuno Gonçalves esteve ontem no Museu de Portimão para comentar Jellyfish, o filme-mosaico de Etgar Keret e Shira Geffen, mas acabou por divergir e falar sobre os seus próprios processos criativos, quer com este novo projecto quer com The Gift. O filme de Keret, escritor israelita, versa sobre o choque de gerações entre os judeus que viveram o Holocausto e os seus filhos. «Sou muito ligado às memórias da infância. Gosto de fazer um disco quando tenho alguma coisa para dizer, mas vou buscá-la lá atrás.»
O músico acredita que, de alguma forma, pertenceremos sempre a uma segunda geração que pretende demarcar-se da anterior e que não a compreende plenamente. Cisão que não sente com Keret, 10 anos mais velho, explicando que se trata mais de experiências e visões comuns que de mera contabilidade. «Não sinto a generation gap com o realizador, mas sinto-a com um adolescente de 16 anos que nunca teve um disco na mão sem o piratear», disse.
Com Lost in Translation, de Sofia Coppola, Gonçalves saiu da sala de cinema, lembra, com vontade de compor. Tanto que inclui uma pequena fala num dos temas do disco AM FM (2004). Com Film, álbum de 2001, os Gift compuseram para um filme imaginário, ainda que Gonçalves não sinta que fosse possível transformá-lo numa banda sonora. «Os ambientes são muito diversos de canção para canção», argumentou.
Na realização, Nuno Gonçalves prefere Woody Allen, Gus Van Sant e David Lynch – que, «apesar de ser sempre muito macabro e bizarro, é sempre muito bonito». Mas, à aparente tendência para o cinema independente, Gonçalves contrapõe a dependência ao homem que reinventou a indústria: «Não consigo deixar de ver os filmes do Spielberg, que continuou sempre a plantar sementes na magia do cinema».
Concretamente sobre Jellyfish, Nuno Gonçalves acabou por afirmar que, «para primeira obra, está muito interessante». Perguntaram-lhe da música, claro. E a análise passou por dizer que, a par do tema principal, uma versão de La vie en rose, originalmente na voz de Édith Piaf, «os xilofones e o piano aguentam muito bem o filme», não se intrometendo na história.
[Texto publicado em Rascunho.net]
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