quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Histórias sobre um impostor, decisões difíceis e segredos que se deixam contar

No dia 29, no Auditório do Museu de Portimão, falou-se sobre o peso da verdade no seio de uma comunidade onde os interesses colectivos chocam, não raras vezes, com os individuais.

Enrico Marco, ex-presidente da associação de deportados espanhóis, embarca numa viagem de carro até à Alemanha, um regresso ao passado para apurar a verdade dos factos que adulterou durante anos, forjando-se como um sobrevivente aos campos de concentração. Aaron é um homem de família judeu ortodoxo que se vê dividido entre a forte atracção que sente pelo jovem empregado e o dever de resistir à tentação e provar a força da sua fé. Aicha é uma jovem curiosa, que desconhece a sua origem e destino, e cuja identidade está ainda por nascer. Três filmes muito diferentes na sua estética e linguagem abordaram o tema, que deu lugar a questões que atravessaram as várias conversas.
Leonor Pinhão foi a convidada da primeira sessão, que mostrou o documentário Ich bin Enrico Marco, de Santiago Fillol e Lucas Vermal. Filmes como Fahrenheit 451 (1966) de François Truffaut e O Homem que Matou Liberty Valance (1962) de John Ford foram algumas das referências que mencionou, pela proximidade do tema. Admite que o filme está bem conseguido, pela forma como trata esta jornada de um homem que é, no mínimo, um óptimo actor: "Era muito fácil pegar neste documentário e torná-lo demagógico, mas isso não acontece".



O filme não tenta desculpar ou ilibar este homem que está plenamente convencido de que não cometeu qualquer crime ao criar uma história de vida fictícia, na medida em que se documentou devidamente, qual escritor de romances que estuda o universo da sua história.

Este comportamento parece-lhe sintomático de uma sociedade que precisa de heróis, custe o que custar, mas nem sempre está preparada para lidar com a fragilidade dos seus modelos humanos.





"Não podemos chegar ao fim da nossa vida e pedir desculpa.
Inventada ou não, esta é a vida dele."


Miguel Vale de Almeida falou sobre Eyes Wide Open de Haim Tabakman e a respeito dos finais infelizes que vão sendo hábito nos filmes que abordam a homosexualidade. A personagem principal debate-se com questões que põem em causa a sua fé e o facto de trabalhar num talho é importante para a história: ali, "a carne é morta de uma forma religiosa, sagrada". À medida que vacila na obediência à ordem estabelecida, suja-a e, assim, contamina a comunidade.

Curiosamente, nela habita um grupo de homens que estudam a Torah e o Talmud e elaboram todo um trabalho intelectualde discussão, em oposição ao que poderíamos chamar os dogmas do cristianismo que sobrevivem através de uma estrutura rígida.

"No judaísmo há lugar para a discussão da pecaminosidade de certas práticas".






Inês de Medeiros juntou-se à discussão, no seguimento de intervenções que se debruçaram sobre a questão da vida familiar - deveria ela ser a prioridade em detrimento do amor romântico (fácil de confundir com o desejo), um compromisso a respeitar para além da vontade individual? Na sua opinião, o filme mostra que a família e a relação do casal beneficia com a indiscrição do marido. Existe um regresso à ordem que, de alguma forma, quebra com a rotina.

Concluiu: "A vida é mais forte do que os nossos dilemas, mais ainda do que as próprias pessoas".

Possidónio Cachapa foi o convidado surpresa da útlima sessão da noite, que apresentou Buried Secrets de Raja Amari. O seu documentáro O Adeus à Brisa, integrou a programação da primeira edição das "Visões do Sul". Teceu elogios à actriz Hafsia Herzi (O Segredo de um Cuscuz de Abdel Kechiche), que desempenha o papel da curiosa Aicha e a sua fragilidade quase grosseira é encantadora, uma das principais forças do filme.
  



"As pessoas curiosas acabam por descobrir as coisas que querem e as que não querem".



Fotografia: Jorge Godinho

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