sexta-feira, 29 de outubro de 2010

É difícil vender o que não se sabe que se tem

Alexandra Prado Coelho esteve no Irão na década de 90, no 10º aniversário da Revolução. Relembra a experiência como qualquer coisa muito diferente do que via no dia-a-dia. Tentou adaptar-se, mesmo sem conhecer bem os códigos, ao modo de estar que imaginava ser o mais apropriado para uma mulher naquele contexto. Mas a sua imitação provisória do que ainda não conhecia não passou despercebida, não se fundiu com o resto.
É difícil fugir ao que conhecemos e ver o que está à nossa volta com outros olhos que não os nossos, admite. Calcula que o Irão tenha mudado consideravelmente desde então, porém, há muitos aspectos que ainda permanecem. O que vemos em My Tehran for Sale de Granaz Moussavi é a luta de uma juventude por uma liberdade cultural e de expressão. Alexandra relembra uma entrevista que fez a dois jovens em que o mote era precisamente esse. Para além de uma vontade de libertação, existia neles a noção de que a liberdade em demasia poderia levar as pessoas à loucura – elas não saberiam o que fazer, como escolher.
Granaz Moussavi quis mostrar outras imagens do Irão, uma outra visão, diferente do que passa nas televisões, do que se inventa na ausência dos factos. O sofrimento da personagem principal, Marzieh, não é só o de alguém que precisa de sair de uma situação insustentável, mas também o de uma pessoa que nutre um amor profundo pelo seu país. Este é um sentimento que atravessa os iranianos, apesar das condições em que vivem e dos vários movimentos que procuram contrariar isso. Miguel Valverde deu o exemplo do hip hop iraniano, que se tem difundido através da Internet, com bastante sucesso em países como os Estados Unidos, a Austrália, a África do Sul, etc.
A música ocidental também marca presença no Irão e, segundo Alexandra Prado Coelho, o cinema, nomeadamente o mais comercial, não é inacessível. A jornalista conta que foi convidada para um jantar em casa de uma família iraniana, onde se falou de filmes que ainda não tinham estreado no cinema – entre eles Titanic de James Cameron – e que todos eles já tinham visto. Entre algumas contradições, há coisas que começam a mudar, às vezes de forma lenta, enquanto ainda pesa a tradição e uma certa saudade de tempos em que as coisas eram mais claras e a liberdade não estava suficiente próxima para poder ser, também ela, uma ameaça.
Fotografia: Jorge Godinho

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