sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Jaffa, a laranja protagonista

Margarida Tengarrinha, homenageada com a Medalha de Mérito Municipal Grau de Ouro pela Câmara Municipal de Portimão em 2005 e representante do Conselho Português para a Paz e Cooperação, foi convidada especial da sessão de ontem, que mostrou o documentário Jaffa, the Orange’s Clockwork de Eyal Sivan. O realizador israelita, professor de cinema em Londres, conta já com uma filmografia relevante, com vários documentários que abordam o conflito israelo-palestiniano.


Neste caso, como referiu Margarida Tengarrinha, a laranja é a personagem principal, tema ancestral e popular na representação da Palestina pela pintura, pela música, na memória dos seus habitantes e nas conjecturas feitas por outros países. Os quadros que vemos são, nas palavras dos artistas e estudiosos entrevistados, sobre a ideia de laranja, uma afirmação do lugar onde pertence aquele povo. "Durante muito tempo, Israel não existiu, só a tragédia”, contam.


Ao contrário do que é comum nos documentários, aponta Tengarrinha, aqui são as imagens que dão lugar às entrevistas: elas dominam o filme e os testemunhos dos entrevistados corroboram aquilo que elas mostram. A imagem que desmistifica, que esclarece e faz emergir a realidade, contrasta com a que serve a propaganda e cria um mundo ilusório (a propósito disto, ver também Fantasia Lusitana de João Canijo, que será exibido na sessão de encerramento de dia 30, sábado, às 22h).   

Jaffa, a laranja de toda a Palestina, chegou a ser das mais exportadas em todo o mundo. Em 1948, quando começaram os desentendimentos, ela ainda não era uma marca registada, mas, ainda assim, ela era para os citrinos o que a Coca-Cola era para os refrigerantes. A cidade de Jaffa, com os seus pomares, foi um lugar onde o trabalho era sinónimo de saúde, juventude e progresso – quase com um tom soviético e, na opinião de alguns, assustadoramente próximo de uma propaganda nazi.

Mas a certa altura deixou de se perceber qual o significado, ao certo, da palavra “Jaffa” – seria a laranja, uma cidade da Palestina, ou apenas uma palavra? A própria cidade foi apagada pela marca e a laranja tornou-se a principal referência de um país ao qual os emigrantes judeus diziam ter trazido “o progresso à desolação”. Contudo, foram os próprios israelitas que destruíram, a pretexto de eliminar a ameaça de atiradores que se escondiam nos pomares, essa fonte de riqueza que já existia antes da sua chegada. A laranja tornou-se assim uma imagem de morte e o tema virou-se contra eles.

Uma das grandes virtudes deste documentário está na beleza das suas imagens, diz Margarida Tengarrinha, licenciada em pintura na ESBAL, onde iniciou a sua luta contra o regime salazarista. Além disso, nenhum dos lados é favorecido em detrimento do outro: “A isenção deste filme é o que constitui a sua maior força.” Margarida esteve em Israel em 1976, quando o conflito já existia, e contou alguns episódios que comprovam quão enganadora pode ser a imagem que, à distância, se tem destes países.

Mas a laranja também simboliza a mulher, a relação com a terra e a fertilidade. O papel da mulher também foi discutido na conversa seguinte, com Alexandra Prado Coelho, após a sessão de My Tehran for Sale.

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