quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Um tipo de pobreza que não é de espírito

Será que as coisas mudam sempre em direcção ao ponto de partida?

Não, não vamos falar de revoluções, de ciclos viciosos, de quem é afinal o culpado – mas quase. Na opinião de Teresa Nogueira, representante da Amnistia Internacional que esteve à conversa com o público sobre o filme Tehroun de Nader T. Homayoun, exibido ontem, “enquanto cidadãos temos a obrigação de alertar as autoridades para as situações que não estão correctas e de exigir que o governo do país lhes ponha um fim”.  O tráfico de pessoas (com cerca de 2,4 milhões de vítimas de exploração sexual e agrícola, entre as quais muitas são crianças), constitui uma das práticas ilegais que mobiliza mais dinheiro, mais ainda que o tráfico de droga. O Engenheiro Guterres, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, apontou para um total de 3,5 mil milhões de euros gastos na U. E. em tráfico de pessoas (2009).
A propósito destas questões, Tehroun, filmado às escondidas nas favelas de Teerão, conta uma história onde a pobreza obriga a comportamentos moralmente questionáveis e onde a vida humana vale aquilo que pode valer, em função de outras prioridades que se jogam consoante o poder ou vulnerabilidade de cada um.

A selva urbana retratada acolhe injustiças não muito diferentes das que podemos observar todos os dias, nas ruas de cidades a Norte e a Sul, e o dilema mantém-se: a moeda que se dá a um mendigo é um auxílio pontual ou perpetua o problema? Teresa Nogueira não esquece que muitas pessoas são levadas a viver de uma forma marginal, sem que isso signifique que não têm sentimentos ou que o seu carácter é fraco. Ibrahim, a personagem principal, está numa situação dramática. A vida para ele nunca foi fácil, por isso viu-se obrigado a tentar a sorte noutra cidade, onde um pequeno esboço de sonho acaba por se transformar num pesadelo.

Quanto mais Ibrahim se esforça para encontrar uma solução, mais fundo é o abismo onde acaba por cair. Com a mulher grávida para sustentar, é obrigado a usar uma outra criança como isco para a piedade dos transeuntes e, apesar do filho não ser seu, a sua preocupação é genuína e leva-o a criar laços afectivos que o dividem em dois: pai por força das circunstâncias de uma criança que não é sua e modelo mal esculpido do pai que ainda não consegue ser para o próprio filho. Esta vida dupla também é retratada no que diz respeito a uma juventude que vive num impasse entre a tradição e uma nova sede de liberdade em My Tehran for Sale de Granaz Moussavi, que passa hoje às 21h45. 

Teresa Nogueira sublinhou a importância da acção do governo nestas matérias e, principalmente, o dever que cada um tem de não ser mero observador. Há medidas concretas que podem ser tomadas e a Amnistia é um exemplo de acção e de alerta e responsabilização dos governos, que lança o convite a cada um para ficar a conhecer melhor as suas iniciativas.

Fotografia: Jorge Godinho

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