quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Um José Saramago antes e depois de Pilar


Poucos minutos antes da abertura oficial, enquanto ainda eram comprados os últimos bilhetes para uma sessão esgotada, Margarida Vilanova partilhava ideias sobre o seu trabalho como actriz e, também, como pessoa.

Esse trabalho interior é como a viagem (uma vez) de um elefante, tal como a conta José Saramago no seu romance e também no documentário José & Pilar de Miguel Gonçalves Mendes, que passou às 21h30, com a presença do realizador.

José Gameiro, director do Museu de Portimão, deu as boas-vindas a uma sala cheia. O presidente da Câmara, Manuel da Luz, abordou o conceito das “Visões do Sul”, sublinhando que a iniciativa não deve ficar pela segunda edição. A visão, esse sentido tão preponderante nos tempos actuais, tem muito de curioso, já que, mesmo proliferando, “nem toda a gente consegue ver” num sentido mais profundo da palavra. “A esquizofrenia do ver é um bom exercício”, salienta Manuel da Luz, na medida em que ela possibilita, mais do que uma cidade educativa, uma cidade educadora.


De resto, o Sul não é apenas uma posição geográfica, é “um modo de estar e de viver”, e Miguel Gonçalves Mendes, que viveu grande parte da sua vida no Algarve, concorda com a afirmação.

José & Pilar
demorou quatro anos a ser feito e, pelo realizador, poderia continuar a ser editado durante mais seis meses, pelo menos – o que não é surpreendente se tivermos em conta que, depois de um longo período de filmagens durante o qual acompanhou a vida (mais que) atarefada de José Saramago e a mulher, Pilar del Rio (entre viagens a Espanha, Brasil, Finlândia e Portugal), recolheu 240 horas de imagens. As hipóteses multiplicam-se e os 125 minutos com que o filme ficou no final fazem Miguel Gonçalves Mendes interrogar-se a respeito do que ficou de fora ou se as suas opções foram as mais correctas.

"O que o levou a fazer um filme sobre José Saramago?" foi uma das perguntas do público. Miguel Gonçalves Mendes queria tirar a limpo algumas ideias. Já conhecia e admirava o trabalho do escritor, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1998, e também já o tinha convidado a ler um excerto do Memorial do Convento em D. Nieves, sobre a “palavra” saudade. Quando perguntou a Saramago se poderia filmar o seu dia-a-dia com Pilar, a palavra “intimidade” não o deixou muito confortável em relação à pertinência das coisas que o realizador queria registar. As filmagens avançaram devagar, contou aos espectadores que o aplaudiram de pé (entre um e outro “bravo!” que soava na fila da frente), e registaram vários eventos públicos. Mas entre os vários órgãos de comunicação social, o casal percebeu desde logo que o que aquela câmara estava a filmar era outra coisa.

 “Quis neste filme fugir a tudo o que fiz no anterior”.

Miguel Gonçalves Mendes quis captar um registo mais pessoal, que não encontrava noutras entrevistas: “A palavra dele estava mais que difundida”. De resto, para ficar a conhecer o pensamento de Saramago, nada como ler os livros. Este filme é uma outra coisa, uma outra perspectiva. Ele fala sobre a morte e sobre a urgência do tempo, diz o realizador, ciente de que essas são, no ponto de partida e de chegada, preocupações suas.
Um outro assunto é esta mulher, Pilar del Rio, e o papel importante que ela desempenhou na internacionalização da obra do marido. Saramago chegou a ver o filme, numa primeira versão com a duração de 3 horas, e a sua observação final foi “Isto é uma dedicatória de amor à Pilar”. Ela respondeu-lhe dizendo que a sua vida era uma dedicação de amor a ele.


“Passem a palavra, porque é para isso que os filmes se fazem. Para serem vistos".

Fotografia: Jorge Godinho

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