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quarta-feira, 5 de novembro de 2008

«Sou uma pessoa maior porque leio»


Possidónio Cachapa esteve ontem no Museu de Portimão para apresentar O Adeus à Brisa, que de documentário sobre Urbano Tavares Rodrigues quase passava, pela debilidade do escritor, a elegia. É um testamento.


Mais do que um documentário sobre Urbano Tavares Rodrigues, Possidónio Cachapa apresentou ontem, na abertura da primeira Mostra Internacional de Cinema de Portimão, um filme para o autor de Uma Pedra no Charco. O realizador considera que O Adeus à Brisa tem um carácter testamental, contendo tudo o que Tavares Rodrigues queria deixar, em peça única e audiovisual, à posteridade.

O documentário retrata a vida intervencionista do escritor Urbano Tavares Rodrigues, demorando-se na sua veia humanista, mais do que nos 60 anos de vida literária e académica ou na vida pessoal. A história do escritor confunde-se com a do país, na luta pela liberdade no Estado Novo, a censura, a prisão, na revolução de Abril, dia em que analisa o João de Melo, também escritor, Urbano era a pessoa mais feliz de toda aquela multidão a ocupar as ruas de Lisboa, e respectivas consequências.

Urbano, 85 anos, esteve muito debilitado durante os últimos meses e o realizador chegou mesmo a pensar que o escritor não veria o filme terminado. Mas viu. Um dia depois da estreia no DocLisboa, onde esteve em competição. Possidónio Cachapa agarrou numa tela de boa dimensão e levou-a até casa de Urbano, em Lisboa, onde se fez uma sessão privada. Urbano, que, como recorda João de Melo durante o filme, é dono de uma «natural insatisfação», agradeceu ao amigo, Possidónio, contou este, «sem palavras».

A escolha do título, O Adeus à Brisa, nome de um romance de Urbano Tavares Rodrigues, publicado em 1998, não aconteceu ao acaso. Por brisa (de Verão, suave, quente), Cachapa entende o próprio Urbano. E o adeus tem que ver com a despedida que se previa para breve. O filme acaba mesmo com o filho de Tavares Rodrigues, de dois anos, simbolizando o fim e o início de um ciclo.

Ana Maria, esposa de Tavares Rodrigues, médica, apenas acedeu à ideia de fazer um documentário pela amizade que une o marido ao realizador – que é mais conhecido pelo seu trabalho como escritor. «Quando se é escritor, abrem-se portas para pessoas muito, muito boas. Calhou-me este pequeno euromilhões que é conhecer escritores muito, muito interessantes», observou Cachapa. Tinha duas horas por dia para entrevistas. Não mais. Como resultado, a matéria bruta não foi muita.

Apesar de afiançar que a amizade não turva a objectividade do filme, o realizador contou, no entanto, que fez uma selecção criteriosa das histórias que trouxe a público: «Protegi-o muito na montagem.» Questionado sobre a fragilidade e a simplicidade aparentes de Urbano, Possidónio Cachapa foi taxativo: «O Urbano não é simples. Quanto mais uma pessoa tem para dar, mais simples se torna aos olhos das outras pessoas. O Urbano sabe o que é essencial.»

«A mim consola-me ter feito este documentário, quanto mais não seja para relembrar escritores como o Urbano e Manuel Teixeira Gomes.» Possidónio Cachapa acredita que «estamos numa altura muito morna», e que, num tempo em que as livrarias estão à pinha de mais e mais livros gritando, é fundamental relembrar os verdadeiros escritores, os «que nos fazem crescer como pessoas». «Sou uma pessoa maior porque leio», diz, citando o próprio Urbano.

Manuel Teixeira Gomes, escritor, político e Presidente da República de 1923 a 1925, era amigo do pai de Urbano, que sobre ele começou a escrever ainda na década de 50, desenvolvendo a partir da sua obra, em 1984, uma tese de doutoramento. Considerava-o «um dos maiores ironistas da literatura portuguesa», como diz durante o filme, cujos direitos foram já adquiridos pela RTP, embora o realizador espere conseguir levá-lo ainda mais vezes à tela.

Possidónio Cachapa, recorda, começou a ler Urbano Tavares Rodrigues aos 12 anos. É também escritor, já com obra traduzida e publicada em vários países. Apesar de O Adeus à Brisa ser a sua estreia na cadeira de realizador, são diversos os seus trabalhos para cinema e mesmo para teatro. Espera um dia, ironizou ontem, dar nome a uma rua – «quando morremos arranjam-nos sempre um beco qualquer. Há tantas ruas a precisarem de nome…» A ideia de «impor a justiça ao mundo», que partilha com Urbano, passa também por aí: «Temos escritores muito, muito bons. É tempo de começar a homenageá-los em vida.»

[Texto publicado em Rascunho.net]

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Possidónio Cachapa filmando Urbano Tavares Rodrigues

Miguel e Urbano, miúdos pequenos, irmãos, leram os mesmos livros, sonharam os mesmos sonhos, travaram combates em cima de burros — «brincadeiras brutais», lembra o primeiro. Dessa meninice em que «não tinha noção do perigo», Urbano respondia a «um heroísmo sem causa». Mas Urbano, diz o próprio, voltou-se cedo para as ideias socialistas, para a luta anti-fascista, arranjando assim contracena para a sua «valentia quixotesca». «Começo a descobrir — não se descobre logo —, aí pelos sete, oito anos, que à minha volta há injustiça social», conta.

Já menos miúdo, estudante universitário, conhece em Paris Albert Camus. Regressa a Portugal e contrapõe a realidade francesa com a do Estado Novo. Aquando da candidatura presidencial do General Humberto Delgado, 1958, era jornalista, redactor no Diário de Lisboa, o que, recorda da sala de sua casa, 2008, «era uma posição óptima para a acompanhar e influenciar.» «Nos textos que escrevia, havia uma permanente simpatia pelo Delgado.» Era tempo de intervenção, não de imparcialidades.

«O Urbano é um humanista», explica o irmão Miguel. «Chega ao Partido Comunista através do coração e não pela ideologia.» É dessa semente que nasce o escritor que ainda hoje conhecemos, o autor de Uma Pedra no Charco naquele mesmo ano de 1958. O escritor que se mantém convicto: «Vai haver um novo mundo com uma procura do socialismo». Sobretudo, o escritor que sente «a dor dos outros», que acredita que «uma coisa bela tem de ser profunda e inteligente». E que sabe que «uma revolução é feita por heróis, por entusiastas, mas também por oportunistas e por burros. Está lá tudo.»

De Manuel Teixeira Gomes, escritor, Presidente da República entre 1923 e 1925, de quem o pai foi amigo e sobre o qual versou a sua tese de doutoramento em 1984, Urbano assegura que se trata de «um dos maiores ironistas da literatura portuguesa». Lembra-o com «um extraordinário sentido de humor, acutilante e crítico, presente na visão que nos dá da burguesia algarvia em todos os seus livros».

São estas, entre outras, as declarações que se podem ver e ouvir, mais logo, 21h30, pela exibição do documentário O Adeus à Brisa, de Possidónio Cachapa, no Museu de Portimão. De lembrar o que, em Outubro, Urbano, 85 anos, dizia ao A23 sobre novas leituras: «No que diz respeito a uma geração mais nova de escritores, gosto muito de ler o José Luis Peixoto e o Possidónio Cachapa. Vejo surgir três escritores muito interessantes que são a Dulce Maria Cardoso, a Maria Antonieta Preto e a Patrícia Reis, com talentos diferentes. O Gonçalo M. Tavares, embora não seja da minha família, acho que é um escritor com futuro.»

Arranque

Este blogue articula-se, a partir de hoje, com o Rascunho e o Húmus, blogue conexo do portal cultural, na cobertura do Visões do Sul. Antevisão e crítica dos filmes, pequenas reportagens, citações, acompanhamento dos debates/ conferências (estamos a tentar o directo via Twitter — falha-nos ainda a wireless) e tudo o mais que entendermos relevante. A opinião pública, claro, interessa-nos. Podem sugerir-nos novos ângulos, pareceres diversos, sugestões, etc., para hugotorres@rascunho.net. Sendo pertinente, chamá-las-emos a estas páginas (quer aqui, quer ali).

A mostra arranca esta noite, 21h30, com O Adeus à Brisa, o documentário de Possidónio Cachapa sobre Urbano Tavares Rodrigues, que, «num discurso comovente, evoca a luta pela liberdade e a sua crença nas revoluções e na supremacia da Beleza». O realizador estará presente no Museu de Portimão para apresentar o filme, primeiro, e para o debater, no final.

Possidónio Cachapa, lembre-se, escreveu no seu blogue, Prazer Inculto, em Setembro, por altura da conclusão da montagem de imagem, que «numa época em que parece ter desaparecido do mapa a figura do Outro, é bom concluir um filme sobre alguém que no meio de todas as tormentas defendeu sempre a ideia de um mundo em que o "homem é irmão do homem".»